Foi em 1879, num dos belíssimos sítios das redondezas da ilha de Ingá-Guaçu, por Brás Cubas depois denominado Santos, nesse lindíssimo litoral paulista, na noite de 24 de junho, numa festa popular desse povo simples, boníssimo e grandemente pitoresco no falar e no vestir.
O sítio, que se denominava e se chama ainda “Casqueirinho”, ou “Morro do Chá”, integrara, outrora, várias grandes propriedades agrícolas, que naquele então rico município foram fundadas e produziram cacau, café, açúcar, arroz e chá de superior
qualidade, em grande abundância, fornecendo, além disso, sementes e mudas de plantas
para todo o litoral do Brasil, e até para acima.
Em volta das crepitantes fogueiras, onde se assavam batatas doces, cana e aipim, todos se reuniam para palestrar, rir, brincar e contar histórias de cor local, ao agrado dos presentes, alguns dos quais executavam danças várias, entre elas o Balaio, muito do gosto dos adoráveis praianos daquelas bandas, com indefectíveis cantares, toques de violão, harmônicas, flautas, clarinetas e, sobretudo, de viola, o velho e saudoso pinho
que tão doces e gratas recordações produz em quem tem sabido viver a vida dos campos, das praias, vida verdadeiramente racional, simples e despreocupada das coisas políticas, mundanas, todas prejudiciais e venenosas para a alma e o corpo.
Éramos, ao todo, umas sessenta pessoas de várias procedências: da cidade, das praias e dos sítios próximos, mas todas tão realmente irmanadas e joviais, que parecíamos uma só família; porque uma só vontade, um só desejo, um só pensamento reinavam entre nós, fazendo-nos rir, brincar e divertir-nos muito uns com os outros.
Dentre essas pessoas, duas se destacavam pela sua viveza original e pitoresco da linguagem e do vestuário florido como o jacatirão em março: um rapaz e uma rapariga.
Ele se chamava José Guaturama, morador num sítio vizinho, da margem do rio das Onças, e era o mais inspirado violeiro e cantador repentista que se conhecia por aqueles sítios, de fertilidade e beleza incomparáveis.
Era também conhecido como perito caçador de macucos, o que melhor sabia piar e atraí-los e, além disso, um remo valente, o melhor, mais destemido e de mais fôlego canoeiro de toda a redondeza.
Os seus cantares, altas horas da madrugada, quando, à feição da maré de vazante, na popa da sua canoa, a “Santa Rosa”, carregada de palmito, cana doce, batata, aipim, e outros produtos da sua lavoura, se dirigia para o mercado – então a banca da cidade – eram conhecidos e estonteadores das moçoilas, das morenas dos sítios vizinhos e ribeirinhos, até à cidade, e não havia uma só pessoa que lhe não quisesse bem e o não fosse esperar, na volta da cidade, ao porto do seu sítio, para dar-lhe as boas-tardes e os parabéns pelos versos que tirou ao passar, alta noite, por ali, e pela toada bonita com
que os acompanhou.
Simples e respeitador, era José Guaturama o representante genuíno daquela raça paciente de pescadores e caçadores, resignada e forte, que tem origem na tribo dos Guaranis, em tempos chefiada por Piquirobe – tribo que ainda habita as imponentes florestas e belíssimas margens dos rios que nascem na Serra do Mar ou Paranapiacaba, e deságuam no litoral, entre Conceição de Itanhaém e Piruíbe.
Ela se chamava Rosinha Sabiá, também morena, também da mesma origem luso-guarani, a flor de maracujá mais mimosa, mais graciosa, mais doce e de menos luxo que por aquelas bandas se conhecia.
Era repentista como José Guaturama, e sem seca, como ele, para cantar ao desafio, não tinha outra que lhe levasse as lampas, que se lhe avantajasse, e, por isso, é que a chamavam Rosinha Sabiá.
Fonte: Livro: Vibrações da Inteligência Universal
Fonte: Livro: Vibrações da Inteligência Universal